quarta-feira, 22 de julho de 2015

A Volta ao Mundo do Cinema Brasileiro em 80 filmes: 2 – Rio, 40 Graus de Nelson Pereira dos Santos

Nessa segunda parada da Volta ao Mundo do Cinema Brasileiro em 80 filmes, viajo ainda mais para o passado do cinema brasileiro. De 1965, com O Padre e a Moça de Joaquim Pedro de Andrade, me vejo às voltas com um dos primeiros filmes de Nelson Pereira dos Santos, Rio, 40 Graus, lançado em 1955, dez anos antes do primeiro longa de Joaquim Pedro de Andrade.
Este filme, que começa com uma panorâmica aérea da cidade do Rio de Janeiro, foi o primeiro longa de Nelson Pereira dos Santos e nele se podem ver retratadas as diferentes classes sociais daquela época do Brasil, em que o Rio de Janeiro era ainda a capital federal. A cidade é a primeira personagem do filme e será o palco de cinco histórias paralelas que culminarão em uma visão que ouso chamar otimista das trajetórias de cada um de seus personagens principais, com exceção de um deles. Para Davi (2004, p. 8) a preocupação de representar o povo, como ele “realmente era”, com seus sonhos, lutas, desejos, aparece claramente no primeiro longa metragem de Nelson...assim como a influência dos cineastas neo-realistas italianos.

Para Pinto (2015), o filme de Nelson Pereira do Santos é um marco na história das representações cinematográficas da cidade do Rio de Janeiro, ao abandonar a imagem de paraíso tropical que vigorava até então, abordando-a de forma mais realista em um diálogo profícuo com o neorrealismo italiano (p. 121).
Embora haja uma visão que tradicionalmente considera os primeiros filmes de Nelson Pereira dos Santos como precursores do Cinema Novo brasileiro, Napolitano (2001) aponta que há diferenças significativas entre esses filmes e as obras cinemanovistas. Para Napolitano (2001, p. 112) há um distanciamento claro entre essas obras e o movimento que explodiu em 1962. Para esse autor, esse distanciamento se dá sobretudo na relação com o público, visto que os filmes de Santos trabalham com elementos musicais e dramáticos ambientados em meios sociais populares, operados por uma linguagem fílmica basicamente realista e narrativa, facilmente assimilável pelo público mais amplo. Na visão de Napolitano, enquanto que os filmes do Cinema Novo apresentam uma linguagem autoral, vanguardista, hermética e o uso de alegorias, os primeiros filmes de Nelson Pereira dos Santos demonstram uma tentativa de fazer um cinema popular e engajado apropriando-se de princípios do cinema comercial da época de forma realista e crítica (p. 112-113).
Em Fabris (2007), surge um questionamento sobre a vinculação estreita entre os dois primeiros filmes de Nelson Pereira do Santos e o neorrealismo italiano. Para a autora,embora haja pontos de ligação de Rio, 40 graus com postulados do neorrealismo, tais como, pobres quase sempre bons e solidários entre si; câmera que segue de perto os personagens; título da fita com três elementos; várias camadas da sociedade, há outras ligações que são relevantes para a compreensão dos primeiros filmes de Nelson Pereira dos Santos. Por exemplo, como a autora enfatiza, uma visão da realidade brasileira bem alinhada com as diretrizes do Partido Comunista Brasileiro; o resgate da cultura popular; e a conscientização do papel histórico a ser desempenhado pela classe trabalhadora. Por fim, a mesma autora resgata uma possível ligação entre este filme de Nelson Pereira dos Santos e Los Olvidados de Buñuel. Em ambos os filmes, os protagonistas são um grupo de meninos da classe mais desfavorecida.
Em entrevista concedida a Paulo Roberto Ramos, Nelson Pereira do Santos, comenta sobre seu primeiro longa: Escrevi o roteiro do Rio, 40 graus, mas não consegui produção, pois ninguém queria fazer um filme com personagens negros na sua maioria. Havia um grande preconceito contra o negro no cinema carioca...Decidi então fazer Rio, 40 graus com recursos próprios. Tive a grande colaboração do Ciro Freire Cury...Era um economista brilhante e ajudou a elaborar o esquema financeiro e econômico do filme. Passado o tempo, ficou a ideia de que aquele filme aconteceu pela vontade de um grupo de garotos loucos. Para dar certo teve, evidentemente, um projeto bem estruturado: a divisão do capital do filme era feita no esquema de cotas, ou seja, a equipe tinha participação na receita...Também vendíamos cotas, e claro que a família foi a primeira a investir: os irmãos, os primos, os amigos...Quando pronto o dono do laboratório mostrou-o para a Columbia, a distribuidora americana, que decidiu comprá-lo. Demoramos nove meses para fazê-lo (RAMOS, 2007, p. 327-328).
Independente de qual seja o vínculo estilístico de Rio, 40 Graus, a impressão que tive ao assisti-lo, antes dessas leituras, foi de um filme que procurava descrever uma realidade social brasileira, de forma crítica, embora não tratasse de como superar a situação desigual retratada nas suas cenas. Sangion (2005, passim) faz uma boa síntese do filme:
O filme de Nelson Pereira dos Santos mostrou o morro, os excluídos, - as alegrias e dissabores dessa gente – fundindo e vinculando a realidade deles com a própria realidade do Rio de Janeiro. De certa maneira, os excluídos era assim, incluídos, contextualizados: eles eram a acidade e a cidade era o morro. Foi uma tentativa de Nelson Pereira de aproximar-se de um universo distinto sem julgamentos pré-concebidos. A favela no morro não aparece fechada em si, mas em contato com os resto da cidade. Assim como a música-tema do filme (Eu sou o samba,a voz do morro sou eu mesmo sim senhor...), Rio, 40 graus deu voz ao morro literalmente.
Mas, para mim, mas ao fazer essa fusão de realidades, Nelson Pereiera dos Santos evidenciou uma desigualdade de condições de vida e uma concentração de poder nos mais abastados que me fez lembrar do sucesso de Elis Regina de minha adolescência. Naquela época, como agora, nós somos os mesmos e vivemos como nossos pais. Me parece que o Brasil pouco mudou nesses 60 anos.
Ficha Técnica:
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Roteiro: Nelson Pereira dos Santos
Produção: Nelson Pereira dos Santos, Mário Barros, Ciro Freire Cúri, Luiz Jardim, Louis Henri Guirron e Pedro Kosinski
Assistente de Direção: Jece Valadão
Fotografia: Hélio Silva
Montagem: Rafael Justo Valverde
Música: Radamés Gnatalli
Elenco: Jece Valadão. Glauce Rocha, Roberto Bataglin, Zé Kéti, Sady Cabral, Mauro Mendonça, Renato Consorte, Ana Beatriz, Claudia Morena, Modesto de Souza.

Referências:

DAVI, T. N. Nelson Pereira dos Santos e o Cinema Brasileiro. Cadernos da Fucamp, v. 3, n. 3, p. 1-22, 2004.
FABRIZ. M. A Questão Realista no Cinema Brasileiro: aportes neorealistas. Alceu, v. 8, n. 15, p. 82-95, 2007.
NAPOLITANO, M. A Arte Engajada e seus Públicos (1955/1968). Estudos Históricos, n. 28, p. 103-124, 2001.
PINTO, C. E. P. de Rio. 40 Graus A disputa pela Imagem da Capitaldo Brasil nos Anos Dourados. Acervo, v. 28, n. 1, p. 120-131, 2015.
RAMOS, P; R. Nelso Pereira dos Santos: Resistência e Esperança de um Cinema Brasileiro. Estudos Avançados, v. 21, n. 59, p. 323-346, 2007.
SANGION, J. Realismo e Realidade no Cinema Brasileiro – De Rio, 40 Graus a Cidade de Deus. Caligrama Revista de Estudos e Pesquisas em Linguagem e Mídia, v. 1, n. 3, 2015.

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