domingo, 21 de maio de 2017

Presença feminina na produção de filmes brasileiros

Nesse domingo chuvoso, decido ir buscar informações sobre o cinema nacional no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Na seção de publicações (http://oca.ancine.gov.br/publicacoes) me chama a atenção o destaque de uma publicação - Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2016). O relatório, preparado pela Superintendência de Análise de Mercado da ANCINE, detalha a participação das mulheres nas funções de direção, roteiro, produção executiva, direção de fotografia e direção de arte das obras audiovisuais que emitiram Certificado de Produto Brasileiro (CPB) nos anos de 2015 e 2016.
O relatório traz informações sobre a participação feminina na produção do audivovisual destinado às diferentes janelas de exibição. Mas, quero focar na presença feminina na produção para exibição em salas de cinema. Assim, conforme evidenciam os dados expostos no documento, em 2015 e 2016, a presença feminina nessas funções ficou, na média dos dois anos, em 21,5% da direção de um conjunto de 1.029 produções. Como roteiristas, a presença foi um pouco menor, 21%, embora a informação só estivesse disponível para 871 títulos. Na produção executiva, a presença feminina se aproxima dos 50%, chegando a 41% de um total de 821 produções. A menor presença feminina foi encontrada na função de direção de fotografia, que representou 10% de 749 filmes. Por outro lado, na direção de arte, as mulheres superaram a participação masculina, e foram responsáveis por 54% de 420 produções audiovisuais brasileiras no gênero da ficção.
Quando esta produção é separada em longa-metragens e curtas e média-metragens, observa-se uma distribuição diferenciada para cada grupo. Em todas as funções analisadas, a presença feminina é maior no grupo dos curtas e média-metragens. Assim, por exemplo, enquanto que as mulheres dirgiram 15% dos longa-metragens, para o outro grupo esta participação chegou a 26%. O mesmo ocorreu com a função de roteiristas, 15% e 25%, respectivamente; produção executiva, 39% e 43%; direção de fotografia, 7% e 16%; e direção de arte, que representou a maior diferença entre os dois grupos, 46% e 60%.
Outro conjunto de dados interessantes refere-se à participação das mulheres, na função de direção dos filmes braisleiros lançados para exibição em salas de cinema entre 2009 e 2016. A presença de diretoras de cinema nos longa-metragens brasileiros variou entre 10% em 2014 e 24% em 2012, ficando na média de 17% para esse período de oito anos. No entanto, chama a atenção o fato de que o público que os filmes dirigidos por mulheres conseguiram obter foi, proporcionalmente, muito menor, tendo variado entre 1% em 2012 e 28% em 2015, com média de 10% do público total do cinema brasileiro. A tabela aa seguir apresenta esses dados.

Ano
Filmes
% do Público de Cinema Brasileiro
Direção por Mulheres
2009
84
9%
17%
2010
74
3%
16%
2011
100
4%
15%
2012
83
1%
24%
2013
129
14%
16%
2014
114
11%
10%
2015
132
28%
15%
2016
143
9%
20%
Total
859
10%
17%
 Fonte: Adaptado de Ancine (2017)

Com minha curiosidade aguçada, parti em busca de outras informações. Acessei o Google Acadêmico em busca de artigos que tivessem explorado essse tema. O primeiro artigo que localizei traz um panorama da presença feminina no cinema brasileiro entre 1961 e 2010. Os dados coletados por Paula Alves, José Eustáquio Diniz Alves e Denise Britz do Nascimento Silva (2011) retratam uma crescente participação das mulheres nas funções de direção, roteirista, produção e fotografia ao longo das décadas analisadas. Na função de direção, essa participação cresce de 0,68% entre 1961 e 1970 para 15,37% entre 2001 e 2010. Crescimento semelhante teve a participação das mulheres como roteiristas entre os dois perídos, chegando a 13,78% na última década analisada. Comparando com o estudo recente da ANCINE, pode-se observar que nos últimos oito anos, a presença de mulheres na direção de filmes brasileiros lançados em salas de cinema não se ampliou muito - uma média de 17% comparada com 15,4% da primeria década do século 21. além das estat´sticas o texto de Alves, Alves e silva (2011) apresenta um histórico relatando a presença de mulheres cineastas no Brasil desde os primóridos do cinema brasileiro.
Já Lucia Nagib (2012) segue por outra trilha ao comentar a participação das mulheres no cinema brasileiro a partir da Retomada. Para ela, além das diferenças de sexo, raça ou etnia, uma análise mais frutífera do cinema feminino no Brasil se dá quando se percebe que é a partir da Retomada, com a entrada mais numerosa de mulheres na função de diretoras que se acentua "a disseminação do trabalho colaborativo e da autoria compartilhada" (p. 17), traço marcante dessa presença feminina no cinema brasileiro para Nagib(2012).
Independente de qual seja o foco que se escolha, me parece que conhecer sobre a presença da mulher no cinema brasileiro pode ser um tema de estudo que auxilia na compreensão de um dinâmica cinematográfica em um mercado dominado pelo cinema dos Estados Unidos que, não obstante, vem crescendo de forma contínua desde 1995.
Por fim, apenas a título de ilustração, em arquivo que construí com base nos dados da ANCINE, entre 1239 filmes brasileiros lançados nas salas de cinema entre 1995 e 2015, encontrei onze diretoras que realizaram quatro ou mais filmes a partir de 1995, o chamado ano da Retomada do cinema brasileiro. No conjunto estas realizaram 56 filmes. entre estas, a que teve maior volume de produção foi Lúcia Murat com nove títulos entre 1996 e 2015.Os filmes e anos de lançamento estão na tabela abaixo.

ANO
TÍTULO
DIRETORA
1996
DOCES PODERES
LÚCIA MURAT
2001
BRAVA GENTE BRASILEIRA
LÚCIA MURAT
2005
QUASE DOIS IRMÃOS
LÚCIA MURAT
2006
OLHAR ESTRANGEIRO
LÚCIA MURAT
2008
MARÉ, NOSSA HISTÓRIA DE AMOR
LÚCIA MURAT
2012
UMA LONGA VIAGEM
LÚCIA MURAT
2013
A MEMÓRIA QUE ME CONTAM
LÚCIA MURAT
2015
EM TRÊS ATOS
LÚCIA MURAT
2015
A NAÇÃO QUE NÃO ESPEROU POR DEUS
LUCIA MURAT E RODRIGO HINRICHSEN
1996
FICA COMIGO
TIZUKA YAMAZAKI
1997
O NOVIÇO REBELDE
TIZUKA YAMAZAKI
1999
XUXA REQUEBRA
TIZUKA YAMAZAKI
2000
XUXA POPSTAR
PAULO SÉRGIO ALMEIDA E TIZUKA YAMASAKI
2005
GAIJIN II
TIZUKA YAMAZAKI
2009
XUXA EM O MISTÉRIO DE FEIURINHA
TIZUKA YAMAZAKI
2010
APARECIDA, O MILAGRE
TIZUKA YAMAZAKI
1997
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO
SANDRA WERNECK
2001
AMORES POSSÍVEIS
SANDRA WERNECK
2004
CAZUZA - O TEMPO NÃO PARA
SANDRA WERNECK E WALTER CARVALHO
2006
MENINAS
SANDRA WERNECK
2010
SONHOS ROUBADOS
SANDRA WERNECK
2015
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO 2
SANDRA WERNECK E MAURO FARIAS
2007
SEM CONTROLE
CRIS D'AMATO
2014
S. O. S. MULHERES AO MAR
CRIS D'AMATO
2014
CONFISSÕES DE ADOLESCENTE - O FILME
DANIEL FILHO E CRIS D’AMATO
2015
S.O.S MULHERES AO MAR 2
CRIS D'AMATO
2015
LINDA DE MORRER
CRIS D'AMATO
2001
TÔNICA DOMINANTE
LINA CHAMIE
2007
A VIA LÁCTEA
LINA CHAMIE
2012
SANTOS, 100 ANOS DE FUTEBOL ARTE
LINA CHAMIE
2013
SÃO SILVESTRE
LINA CHAMIE
2014
OS AMIGOS
LINA CHAMIE
2003
DURVAL DISCOS
ANNA MUYLAERT
2009
É PROIBIDO FUMAR
ANNA MUYLAERT
2013
CHAMADA A COBRAR
ANNA MUYLAERT
2015
QUE HORAS ELA VOLTA?
ANNA MUYLAERT
1995
CARLOTA JOAQUINA, PRINCESA DO BRAZIL
CARLA CAMURATI
1998
LA SERVA PADRONA: O FILME
CARLA CAMURATI
2001
COPACABANA
CARLA CAMURATI
2006
IRMA VAP - O RETORNO
CARLA CAMURATI
1995
BANANA IS MY BUSINESS
HELENA SOLBERG
2005
VIDA DE MENINA
HELENA SOLBERG
2009
PALAVRA (EN)CANTADA
HELENA SOLBERG
2013
A ALMA DA GENTE
HELENA SOLBERG E DAVID MEYER
2003
PAULINHO DA VIOLA - MEU TEMPO É HOJE
IZABEL JAGUARIBE
2009
CORPO DO RIO
IZABEL JAGUARIBE E OLÍVIA GUIMARÃES
2010
ELZA
IZABEL JAGUARIBE E ERNESTO BALDAN
2013
SORRIA, VOCÊ ESTA NA BARRA
IZABEL JAGUARIBE
1998
ALÔ
MARA MOURÃO
2002
AVASSALADORAS
MARA MOURÃO
2005
DOUTORES DA ALEGRIA
MARA MOURÃO
2012
QUEM SE IMPORTA?
MARA MOURÃO
1998
COMO SER SOLTEIRO
ROSANE SVARTMAN
2005
MAIS UMA VEZ AMOR
ROSANE SVARTMAN
2011
DESENROLA
ROSANE SVARTMAN
2013
TAINÁ - A ORIGEM
ROSANE SVARTMAN

Referências

ANCINE Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2016). Observatório Brasileiro do cinema e do Audiovisual, 2017. Disponível em http://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/publicacoes/pdf/participacao_feminina_na_producao_audiovisual_brasileira_2016.pdf

NAGIB, L. Além da diferença: a mulher no Cinema da Retomada. Devires, v. 9, n. 1, p. 14-29, 2012.

ALVES, P.; ALVES, J. E. D.; SILVA, D. B. do N. Mulheres no Cinema Brasileiro. Caderno Espaço Feminino, v. 24, n. 2, p. 365-394, 2011. 

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