Nesse domingo chuvoso, decido ir buscar informações sobre o cinema nacional no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Na seção de publicações (http://oca.ancine.gov.br/publicacoes) me chama a atenção o destaque de uma publicação - Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2016). O relatório, preparado pela Superintendência de Análise de Mercado da ANCINE, detalha a participação das mulheres nas funções de direção, roteiro, produção executiva, direção de fotografia e direção de arte das obras audiovisuais que emitiram Certificado de Produto Brasileiro (CPB) nos anos de 2015 e 2016.
O relatório traz informações sobre a participação feminina na produção do audivovisual destinado às diferentes janelas de exibição. Mas, quero focar na presença feminina na produção para exibição em salas de cinema. Assim, conforme evidenciam os dados expostos no documento, em 2015 e 2016, a presença feminina nessas funções ficou, na média dos dois anos, em 21,5% da direção de um conjunto de 1.029 produções. Como roteiristas, a presença foi um pouco menor, 21%, embora a informação só estivesse disponível para 871 títulos. Na produção executiva, a presença feminina se aproxima dos 50%, chegando a 41% de um total de 821 produções. A menor presença feminina foi encontrada na função de direção de fotografia, que representou 10% de 749 filmes. Por outro lado, na direção de arte, as mulheres superaram a participação masculina, e foram responsáveis por 54% de 420 produções audiovisuais brasileiras no gênero da ficção.
Quando esta produção é separada em longa-metragens e curtas e média-metragens, observa-se uma distribuição diferenciada para cada grupo. Em todas as funções analisadas, a presença feminina é maior no grupo dos curtas e média-metragens. Assim, por exemplo, enquanto que as mulheres dirgiram 15% dos longa-metragens, para o outro grupo esta participação chegou a 26%. O mesmo ocorreu com a função de roteiristas, 15% e 25%, respectivamente; produção executiva, 39% e 43%; direção de fotografia, 7% e 16%; e direção de arte, que representou a maior diferença entre os dois grupos, 46% e 60%.
Outro conjunto de dados interessantes refere-se à participação das mulheres, na função de direção dos filmes braisleiros lançados para exibição em salas de cinema entre 2009 e 2016. A presença de diretoras de cinema nos longa-metragens brasileiros variou entre 10% em 2014 e 24% em 2012, ficando na média de 17% para esse período de oito anos. No entanto, chama a atenção o fato de que o público que os filmes dirigidos por mulheres conseguiram obter foi, proporcionalmente, muito menor, tendo variado entre 1% em 2012 e 28% em 2015, com média de 10% do público total do cinema brasileiro. A tabela aa seguir apresenta esses dados.
Ano
|
Filmes
|
% do Público de Cinema Brasileiro
|
Direção por Mulheres
|
2009
|
84
|
9%
|
17%
|
2010
|
74
|
3%
|
16%
|
2011
|
100
|
4%
|
15%
|
2012
|
83
|
1%
|
24%
|
2013
|
129
|
14%
|
16%
|
2014
|
114
|
11%
|
10%
|
2015
|
132
|
28%
|
15%
|
2016
|
143
|
9%
|
20%
|
Total
|
859
|
10%
|
17%
|
Fonte: Adaptado de Ancine (2017)
Com minha curiosidade aguçada, parti em busca de outras informações. Acessei o Google Acadêmico em busca de artigos que tivessem explorado essse tema. O primeiro artigo que localizei traz um panorama da presença feminina no cinema brasileiro entre 1961 e 2010. Os dados coletados por Paula Alves, José Eustáquio Diniz Alves e Denise Britz do Nascimento Silva (2011) retratam uma crescente participação das mulheres nas funções de direção, roteirista, produção e fotografia ao longo das décadas analisadas. Na função de direção, essa participação cresce de 0,68% entre 1961 e 1970 para 15,37% entre 2001 e 2010. Crescimento semelhante teve a participação das mulheres como roteiristas entre os dois perídos, chegando a 13,78% na última década analisada. Comparando com o estudo recente da ANCINE, pode-se observar que nos últimos oito anos, a presença de mulheres na direção de filmes brasileiros lançados em salas de cinema não se ampliou muito - uma média de 17% comparada com 15,4% da primeria década do século 21. além das estat´sticas o texto de Alves, Alves e silva (2011) apresenta um histórico relatando a presença de mulheres cineastas no Brasil desde os primóridos do cinema brasileiro.
Já Lucia Nagib (2012) segue por outra trilha ao comentar a participação das mulheres no cinema brasileiro a partir da Retomada. Para ela, além das diferenças de sexo, raça ou etnia, uma análise mais frutífera do cinema feminino no Brasil se dá quando se percebe que é a partir da Retomada, com a entrada mais numerosa de mulheres na função de diretoras que se acentua "a disseminação do trabalho colaborativo e da autoria compartilhada" (p. 17), traço marcante dessa presença feminina no cinema brasileiro para Nagib(2012).
Independente de qual seja o foco que se escolha, me parece que conhecer sobre a presença da mulher no cinema brasileiro pode ser um tema de estudo que auxilia na compreensão de um dinâmica cinematográfica em um mercado dominado pelo cinema dos Estados Unidos que, não obstante, vem crescendo de forma contínua desde 1995.
Por fim, apenas a título de ilustração, em arquivo que construí com base nos dados da ANCINE, entre 1239 filmes brasileiros lançados nas salas de cinema entre 1995 e 2015, encontrei onze diretoras que realizaram quatro ou mais filmes a partir de 1995, o chamado ano da Retomada do cinema brasileiro. No conjunto estas realizaram 56 filmes. entre estas, a que teve maior volume de produção foi Lúcia Murat com nove títulos entre 1996 e 2015.Os filmes e anos de lançamento estão na tabela abaixo.
ANO
|
TÍTULO
|
DIRETORA
|
1996
|
DOCES PODERES
|
LÚCIA MURAT
|
2001
|
BRAVA GENTE BRASILEIRA
|
LÚCIA MURAT
|
2005
|
QUASE DOIS IRMÃOS
|
LÚCIA MURAT
|
2006
|
OLHAR ESTRANGEIRO
|
LÚCIA MURAT
|
2008
|
MARÉ, NOSSA HISTÓRIA DE AMOR
|
LÚCIA MURAT
|
2012
|
UMA LONGA VIAGEM
|
LÚCIA MURAT
|
2013
|
A MEMÓRIA QUE ME CONTAM
|
LÚCIA MURAT
|
2015
|
EM TRÊS ATOS
|
LÚCIA MURAT
|
2015
|
A NAÇÃO QUE NÃO ESPEROU POR DEUS
|
LUCIA MURAT E RODRIGO HINRICHSEN
|
1996
|
FICA COMIGO
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
1997
|
O NOVIÇO REBELDE
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
1999
|
XUXA REQUEBRA
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
2000
|
XUXA POPSTAR
|
PAULO SÉRGIO ALMEIDA E TIZUKA YAMASAKI
|
2005
|
GAIJIN II
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
2009
|
XUXA EM O MISTÉRIO DE FEIURINHA
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
2010
|
APARECIDA, O MILAGRE
|
TIZUKA YAMAZAKI
|
1997
|
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO
|
SANDRA WERNECK
|
2001
|
AMORES POSSÍVEIS
|
SANDRA WERNECK
|
2004
|
CAZUZA - O TEMPO NÃO PARA
|
SANDRA WERNECK E WALTER CARVALHO
|
2006
|
MENINAS
|
SANDRA WERNECK
|
2010
|
SONHOS ROUBADOS
|
SANDRA WERNECK
|
2015
|
PEQUENO DICIONÁRIO AMOROSO 2
|
SANDRA WERNECK E MAURO FARIAS
|
2007
|
SEM CONTROLE
|
CRIS D'AMATO
|
2014
|
S. O. S. MULHERES AO MAR
|
CRIS D'AMATO
|
2014
|
CONFISSÕES DE ADOLESCENTE - O FILME
|
DANIEL FILHO E CRIS D’AMATO
|
2015
|
S.O.S MULHERES AO MAR 2
|
CRIS D'AMATO
|
2015
|
LINDA DE MORRER
|
CRIS D'AMATO
|
2001
|
TÔNICA DOMINANTE
|
LINA CHAMIE
|
2007
|
A VIA LÁCTEA
|
LINA CHAMIE
|
2012
|
SANTOS, 100 ANOS DE FUTEBOL ARTE
|
LINA CHAMIE
|
2013
|
SÃO SILVESTRE
|
LINA CHAMIE
|
2014
|
OS AMIGOS
|
LINA CHAMIE
|
2003
|
DURVAL DISCOS
|
ANNA MUYLAERT
|
2009
|
É PROIBIDO FUMAR
|
ANNA MUYLAERT
|
2013
|
CHAMADA A COBRAR
|
ANNA MUYLAERT
|
2015
|
QUE HORAS ELA VOLTA?
|
ANNA MUYLAERT
|
1995
|
CARLOTA JOAQUINA,
PRINCESA DO BRAZIL
|
CARLA CAMURATI
|
1998
|
LA SERVA PADRONA: O
FILME
|
CARLA CAMURATI
|
2001
|
COPACABANA
|
CARLA CAMURATI
|
2006
|
IRMA VAP - O RETORNO
|
CARLA CAMURATI
|
1995
|
BANANA IS MY BUSINESS
|
HELENA SOLBERG
|
2005
|
VIDA DE MENINA
|
HELENA SOLBERG
|
2009
|
PALAVRA (EN)CANTADA
|
HELENA SOLBERG
|
2013
|
A ALMA DA GENTE
|
HELENA SOLBERG E DAVID
MEYER
|
2003
|
PAULINHO DA VIOLA - MEU
TEMPO É HOJE
|
IZABEL JAGUARIBE
|
2009
|
CORPO DO RIO
|
IZABEL JAGUARIBE E
OLÍVIA GUIMARÃES
|
2010
|
ELZA
|
IZABEL JAGUARIBE E
ERNESTO BALDAN
|
2013
|
SORRIA, VOCÊ ESTA NA
BARRA
|
IZABEL JAGUARIBE
|
1998
|
ALÔ
|
MARA MOURÃO
|
2002
|
AVASSALADORAS
|
MARA MOURÃO
|
2005
|
DOUTORES DA ALEGRIA
|
MARA MOURÃO
|
2012
|
QUEM SE IMPORTA?
|
MARA MOURÃO
|
1998
|
COMO SER SOLTEIRO
|
ROSANE SVARTMAN
|
2005
|
MAIS UMA VEZ AMOR
|
ROSANE SVARTMAN
|
2011
|
DESENROLA
|
ROSANE SVARTMAN
|
2013
|
TAINÁ - A ORIGEM
|
ROSANE SVARTMAN
|
Referências
ANCINE Participação feminina na produção audiovisual brasileira (2016). Observatório Brasileiro do cinema e do Audiovisual, 2017. Disponível em http://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/publicacoes/pdf/participacao_feminina_na_producao_audiovisual_brasileira_2016.pdf
NAGIB, L. Além da diferença: a mulher no Cinema da Retomada. Devires, v. 9, n. 1, p. 14-29, 2012.
ALVES, P.; ALVES, J. E. D.; SILVA, D. B. do N. Mulheres no Cinema Brasileiro. Caderno Espaço Feminino, v. 24, n. 2, p. 365-394, 2011.
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