Venho
dedicando alguma atenção ao campo dos estudos do cinema no Brasil há cerca de
cinco anos. Em meus esforços de tentar entender esse campo fascinante, busco
informações, leituras e estatísticas tanto sob o ponto de vista da indústria do
cinema quanto da arte. Além de ler, refletir e aprender sobre o assunto, muitas
vezes coloco minhas ideias em textos que divulgo de diversas formas. A forma
mais usual de fazê-lo é por meio de posts em meu blog www.leiturasemcinema.blogspot.com que criei em 2013.
Na
semana passada, escrevi uma série de posts em que tentei descrever alguns
aspectos de como se comportaram a produção, distribuição e exibição dos
lançamentos brasileiros de 2017 nos cinemas do país. Ao compartilhá-los entre
os conhecidos e amigos, Walderes Bello do SEBRAE Paraná sugeriu que eu usasse o
Clube Sebrae (www.clubesebrae.com.br) como mais um canal para meus
escritos. Gostei da sugestão e começo com este texto.
O
pessoal que atua no campo do cinema sabe que 1995 é considerado o ano do início
de um período chamado de Retomada do Cinema Brasileiro, após a crise instaurada
no Governo Collor em 1992 com a extinção da EMBRAFILME e outros órgãos de
governo do campo do audiovisual e da cultura. Decorridos 22 anos, usei os dados
disponíveis no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA) da
Agência Nacional do Cinema para atualizar análises anteriores que já fiz em
outros posts de meu blog sobre a participação desequilibrada dos estados
brasileiros na exibição de filmes em salas de cinema do país, bem como da
presença minoritária de mulheres atuando como diretoras de cinema nesse espaço.
Assim, trabalhei com os dados sobre origem da empresa produtora dos filmes e
diretores(as) entre 1995 e 2017.
Nesse
período, 1.548 filmes foram lançados no circuito exibidor de cinema brasileiro.
A retomada começou timidamente em 1995 com o lançamento de apenas 14 filmes. Ao
longo dos quinze anos seguintes, o número de lançamentos anuais foi crescendo
gradativamente, chegando a 100 em 2011. Entre 2011 e 2017, o comportamento
oscilou caindo para 83 filmes em 2012, depois foram 129 em 2013, seguido de
nova queda em 2014 (114). Nos últimos três anos houve um crescimento constante
de lançamentos brasileiros, uma média de 11,5% a.a., de forma que em 2017
atingiu-se um recorde de 158 filmes no período.
Desde
os primórdios da indústria do cinema do Brasil, a produção de filmes manteve-se
altamente concentrada nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Este quadro
não mudou muito nesses 22 anos. Considerando-se o total de filmes brasileiros
exibidos nas salas de cinema, Rio de Janeiro e São Paulo estiveram envolvidos
na produção de 47,2% e 34,6%, respectivamente.
O restante (18,6%) foram produções em que estiveram envolvidos dezesseis
estados brasileiros. Na tabela a seguir apresento os dados dessa distribuição.
Entre estes estados, sete conseguiram chegar a mais de duas dezenas e meia de
filmes lançados entre 1995 e 2017: Rio Grande do Sul (76); Pernambuco (42);
Minas Gerais (39); Distrito Federal (28); Bahia (26); Ceará (25); e Paraná
(24).
Região
|
Estado
|
Filmes
|
%
|
Sudeste
|
ES
|
5
|
0,32
|
MG
|
39
|
2,52
|
|
RJ
|
731
|
47,22
|
|
SP
|
535
|
34,56
|
|
Total
|
1310
|
84,63
|
|
Sul
|
PR
|
24
|
1,55
|
RS
|
76
|
4,91
|
|
SC
|
13
|
0,84
|
|
Total
|
113
|
7,30
|
|
Nordeste
|
BA
|
26
|
1,68
|
CE
|
25
|
1,61
|
|
MA
|
4
|
0,26
|
|
PB
|
2
|
0,13
|
|
PE
|
42
|
2,71
|
|
SE
|
1
|
0,06
|
|
Total
|
100
|
6,46
|
|
Centro-oeste
|
DF
|
28
|
1,81
|
GO
|
2
|
0,13
|
|
MS
|
1
|
0,06
|
|
MT
|
3
|
0,19
|
|
Total
|
34
|
2,20
|
|
Norte
|
AM
|
2
|
0,13
|
Total de filmes
|
1548*
|
100,00
|
Fonte: Elaborado pelo autor com dados da ANCINE
* A soma de filmes por região é maior do que 1548,
pois no caso de coproduções estas foram marcadas para todos os estados
envolvidos.
É
claro que deve haver muitos filmes que já foram produzidos e não conseguiram
chegar ao mercado exibidor. O acesso ao mercado exibidor é uma barreira forte
que é enfrentada pela produção brasileira, já que este é dominado pela produção
das majors norte-americanas e os
filmes dos Estados Unidos. Durante muitos anos, o foco das políticas de fomento
ao cinema brasileiro centrou-se no apoio à produção, com quase nenhum programa
de estímulo à exibição do cinema brasileiro. Por exemplo, somente em 2008 a
ANCINE lançou um programa com essa finalidade: Programa de Fomento à
Universalização do Acesso.
Embora
aqui eu não esteja olhando para desempenho de bilheteria e público, ou seja, me
restrinjo apenas ao número de filmes lançados e seu estado produtor, este
elevado nível de concentração dos filmes exibidos vindos do Rio de Janeiro e São
Paulo, ao longo dos anos caiu um pouco. A participação de Rio de Janeiro e São
Paulo em público e renda é mais do que proporcional ao número de filmes e est
análise mereceria um post exclusivo. Ao dividir esses 22 anos em quatro
períodos, percebi que a participação de Rio de Janeiro e São Paulo caiu de
89,8% entre 1995 e 2000 para 78,0 entre 2011 e 2017. Isto pode ser visto nas
duas tabelas a seguir. A primeira mostra a evolução por períodos e a segunda a
cada ano.
Período
|
% RJ e SP
|
% Outros Estados
|
1995-2000
|
89,76
|
10,73
|
2001-2005
|
89,27
|
15,80
|
2006-2010
|
84,20
|
30,17
|
2011-2017
|
77,97
|
30,17
|
Fonte: Elaborado pelo autor com dados da ANCINE
Ano
|
Estados
|
% RJ e
SP
|
% Outros Estados
|
|
1995
|
2
|
RJ/SP
|
100,00
|
0,00
|
1996
|
5
|
CE/ES/RJ/RS/SP
|
83,33
|
16,67
|
1997
|
6
|
CE/ES/PE/RJ/RS/SP
|
76,19
|
23,81
|
1998
|
3
|
MG/RJ/SP
|
95,65
|
4,35
|
1999
|
3
|
DF/RS/SP
|
96,43
|
3,57
|
2000
|
5
|
CE/PR/RJ/RS/SP
|
86,96
|
13,04
|
2001
|
4
|
CE/RJ/RS/SP
|
93,33
|
6,67
|
2002
|
4
|
MG/RJ/RS/SP
|
93,10
|
6,90
|
2003
|
3
|
RJ/RS/SP
|
95,65
|
4,35
|
2004
|
5
|
BA/RJ/RS/SC/SP
|
89,80
|
10,20
|
2005
|
6
|
DF/MG/PE/RJ/RS/SP
|
80,43
|
19,57
|
2006
|
8
|
BA/DF/MG/PE/RJ/RS/SC/SP
|
83,10
|
16,90
|
2007
|
7
|
BA/CE/MG/PR/RJ/RS/SP
|
87,18
|
12,82
|
2008
|
8
|
CE/DF/MG/PE/RJ/RS/SP
|
84,81
|
15,19
|
2009
|
9
|
BA/CE/DF/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
86,90
|
13,10
|
2010
|
10
|
CE/DF/MG/MT/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
78,38
|
21,62
|
2011
|
10
|
BA/CE/DF/MG/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
75,00
|
25,00
|
2012
|
9
|
BA/CE/DF/MG/PE/PR/RJ/RS/SP
|
79,52
|
20,48
|
2013
|
14
|
AM/BA/CE/DF/ES/GO/MA/MG/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
72,09
|
27,91
|
2014
|
10
|
BA/DE/ES/MG/PE/PR/RJ/RS/SE/SP
|
80,70
|
19,30
|
2015
|
11
|
BA/CE/DF/MG/PB/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
83,33
|
16,67
|
2016
|
13
|
BA/CE/DF/ES/MA/MG/MT/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
78,87
|
21,13
|
2017
|
14
|
AM/BA/CE/DF/GO/MA/MG/MS/PE/PR/RJ/RS/SC/SP
|
76,58
|
23,42
|
Fonte: Elaborado pelo autor com dados da ANCINE
Excetuando-se
Rio de Janeiro e São Paulo, que estiveram presentes em todos os anos do
período, é interessante observar a trajetória de alguns estados. O primeiro
filme do Rio Grande do Sul nesse período foi lançado em 1996, o segundo ano da
retomada, e a partir de 1999 sempre houve ao menos um lançamento oriundo
daquele estado. O Paraná teve seu primeiro lançamento em 2000 e a partir de
2006 sempre esteve presente nas salas de cinema. No ano seguinte, foi a vez de
Pernambuco que a partir de 2007 sempre teve ao menos um filme lançado, embora
seu primeiro lançamento tenha sido em 1997.A partir de 2008, as produções do
Distrito Federal tiveram ao menos um lançamento anual e seu primeiro ocorreu em
1999. De Minas Gerais, o primeiro lançamento surgiu em 1998, mas a regularidade
de lançamentos anuais começou em 2010. Por fim, a Bahia é um dos estados com
mais de duas dezenas de filmes lançados, o primeiro somente em 2004, e a partir
de 2011 com ao menos um filme por ano.
Outro dado
interessante que pode ser observado na tabela acima é que 2013 e 2016 foram os
anos que tiveram maior número de estados com filmes lançados. Outro aspecto é
que a partir de 2010, com a exceção de 2012, sempre houve lançamentos de filmes
de ao menos dez estados.
Por fim, observo
que parece estar se desenvolvendo uma prática de parcerias para a produção de
filmes. Entre 2014 e 2016 houve nove coproduções, conforme registrado nos
arquivos da ANCINE. Todas estas produções foram parcerias de produtoras do
mesmo estado. Em 2017, houve um salto nas coproduções, o número chegou a
quinze, das quais treze foram coproduções de empresas dentro de um mesmo estado
e duas foram de estados distintos, uma entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina
e outra entre São Paulo e Pernambuco.
Um
outro aspecto desigual do mercado produtor e exibidor de filmes brasileiros diz
respeito à participação de mulheres no exercício do papel de diretoras de
cinema. Em maio do ano passado eu abordei esta questão em um post de meu blog (http://leiturasemcinema.blogspot.com.br/2017/05/presenca-feminina-na-producao-de-filmes.html
. Hoje retomo o assunto para descrever as estatísticas da presença feminina ao
longo desses 22 anos.
Na
listagem da ANCINE consegui localizar 1.209 diretoras(es). A grande maioria
delas(es) lançou apenas um filme entre 1995 e 2017. Foram 145 mulheres e 558
homens, 703 no total, que não chegaram a exibir um segundo longa metragem nos
cinemas brasileiros. Estes números significam 71,1% e 67,6% de diretoras e
diretores, respectivamente. As mulheres parecem ter um pouco mais de
dificuldade de lançar o segundo filme.
Mas,
a principal diferença está no número total de mulheres e homens que exerceram
este papel. Foram 204 mulheres e 825 homes, ou seja, as mulheres atingiram
menos de 20% do total de cineastas com filmes exibidos nos cinemas brasileiros
nos últimos 22 anos.
Outra
comparação que revela a dificuldade feminina de lançar suas produções no
mercado exibidor surge quando se comparam as mulheres e homens com maior número
de filmes lançados. 53 homens conseguiram lançar cinco ou mais filmes no
mercado. Evaldo Mocarzel foi o que mais conseguiu, atingindo a marca de 13
filmes. Por outro lado, entre as mulheres, apenas seis tiveram cinco ou mais
filmes exibidos, sendo a primeira Lucia Murat com nove filmes. Quando estes
números são transformados em percentuais, observa-se que 6,4% dos homens
superaram esta marca e 2,9% das mulheres. Isto é, proporcionalmente, menos da
metade. Outro indicador que revela a barreira enfrentada pelas mulheres no
mercado é a média de filmes das vinte mais produtivas (4,7). Bem menor do que
os vinte homesn de maior produção (8,6). As tabelas a seguir ilustram estas
diferenças.
Filmes lançados
|
1
|
2
|
3
|
4
|
5 ou mais
|
Total
|
Diretoras
|
145
|
31
|
10
|
12
|
6
|
204
|
Diretores
|
558
|
125
|
55
|
34
|
53
|
825
|
Total
|
703
|
156
|
65
|
46
|
59
|
1029
|
Fonte: Elaborado pelo autor com dados da ANCINE
Diretora
|
Filmes
|
Diretor
|
Filmes
|
Lucia Murat
|
9
|
Evaldo Mocarzel
|
13
|
Tizuka Yamazaki
|
8
|
Roberto Santucci
|
12
|
Sandra Werneck
|
7
|
Moacyr Góes
|
11
|
Cristiane D´Amato
|
6
|
Daniel Filho
|
10
|
Daniela Thomas
|
5
|
Domingos Oliveira
|
10
|
Lina Chamie
|
5
|
Andrucha Waddington
|
9
|
Carla Camurati
|
4
|
Eduardo Coutinho
|
9
|
Eliane Caffé
|
4
|
José Joffily
|
9
|
Helena Solberg
|
4
|
Julio Bressane
|
9
|
Isabel Jaguaribe
|
4
|
Beto Brant
|
8
|
Julia Rezende
|
4
|
Jorge Furtado
|
8
|
Laís Bodanzky
|
4
|
Bruno Barreto
|
7
|
Mara Mourão
|
4
|
Helvécio Ratton
|
7
|
Maria Augusta Ramos
|
4
|
José Eduardo Belmonte
|
7
|
Marília Rocha
|
4
|
Murilo Salles
|
7
|
Rosane Svartman
|
4
|
Paulo Fontenelle
|
7
|
Tânia Lamarca
|
4
|
Sérgio Rezende
|
7
|
Tata Amaral
|
4
|
Toni Venturi
|
7
|
|
|
Ugo Giorgetti
|
7
|
|
|
Walter Carvalho
|
7
|
|
|
Walter Salles Júnior
|
7
|
Fonte: Elaborado pelo autor com dados da ANCINE
É
claro que esta análise não poder ser feita apenas em termos quantitativos. Há
outros aspectos sociais que ajudam a entender estas diferenças e que, talvez,
os números sejam apenas os seus sintomas. Este é um tema que espero poder
aprofundar no futuro.
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